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terça-feira, 8 de outubro de 2013

O C. D. C. A.

Auto bibliografia /retrospectiva até aos anos 80 do séc. XX.

Os anos dedicados ao associativismo

Nasci em 1959,numa casa caiada de branco, de portas azuis, coberta a chapas de zinco, sem água, sem luz, longe da cidade (Carmona-Uíge), no Norte de Angola, quase, quase no coração de Mamãe África… Aos sete anos estava em Luanda. A escola, as brincadeiras de rapaz, o jogo de futebol, no recreio, com uma pedra servindo de bola, as gaiolas de “bordão”, as fisgas, os “bicos-de lacre” , as “berridas”, que apanhávamos quando íamos às mangas; as pedradas ás múcuas dos imbondeiros e as mãos inchadas das reguadas da professora…A entrada no LICEU , os amigos, as lutinhas corpo-a-corpo, o gosto pela destruição, por provocar as policias, por querer ser o melhor, os hospitais e as cicatrizes deixadas pelas travessuras,,, Tudo isso e muito mais constituíram os primeiros dezasseis anos de um menino, de um rapaz, os quais , apesar de terem sido anos agitadíssimos,foram anos necessários para cimentar toda a minha forma de ser , todo o meu comportamento, todo o Amor pela Natureza, pelo Belo, a visão mais ou menos coerente do Mundo que me rodeia.

Em 1975, chego a Portugal. A primeira sensação que tive ao sair do avião foi de frio e de leveza…a terra que pisava parecia irreal !!! Estávamos em pleno Verão… Os tiroteios de fim-de-semana,o rebentamento de bombas, a agressão ideológica,todo o clima de guerra que se vivia nos últimos tempos, (em Luanda e em toda a Angola), tinha-nos tornado insensíveis, manobráveis e quebradiços. Ainda hoje nem todos se libertaram totalmente desse efeito hipnótico. Mas o mais duro e mais terrível estava para acontecer…Quem e com que intenção queria a marginalização de toda essa gente? Porquê a divisão e a rotulação das populações em “retornados” e “não retornados”? Que humanismo, que liberdade proclamavam os órgãos informativos dessa altura? Por que batuta eram regidos?

Em Fevereiro de 1976 vieram ter comigo, convidando-me para fazer parte de um grupo de jovens interessados na criação de um grupo desportivo, que promoveria bailes e diversões além do desporto. Aceitei … Era a minha “ válvula de escape”! Era também uma maneira de conhecer melhor as pessoas, os habitantes deste país de acolhimento…

Saber talvez porquê tanta agressividade em relação a nós…Aos primeiros contactos, nas primeiras reuniões, a malta pareceu-me toda fixe.. E era-o realmente! Por isso se conseguiu criar o CENTRO DESPORTIVO E CULTURAL DE ARGIVAI, o C.D.C.A..

As realidades sócio-económicas não eram e continuam a não ser as melhores na freguesia de Argivai (Póvoa de Varzim – Porto-Norte de Portugal). Apesar dos aumentos salarias, a pavimentação das ruas e a sua iluminação- ainda deficiente- pouco mais foi desenvolvido. Em primeiro lugar a freguesia de Argivai é pequena e pobre. A população apesar de generosa e entusiástica arrasta consigo uma passividade extrema.Existem, na realidade, pessoas com muita iniciativa, mas cedo quebram, pois a atitude comodista de grande parte dos habitantes não permitem bons frutos.

Apesar de todas estas contrariedades o C.D.C.A. vingou e cresceu bastante nestes últimos cinco anos, poderia ter crescido muito mais, não fora a existência de “ervas daninhas” que sempre aparecem depois de lançadas as sementes à terra. Assim aconteceu com algumas pessoas, que não tendo a noção da Unidade de Todos ou, não querendo mesmo a Unidade de Todos, criaram novos agrupamentos, tentando semear a divisão. Se a razão que levou essas pessoas a esse comportamento foi o de discordarem com a orientação dada ao CDCA pelas sucessivas direções, a solução era fácil: convocar uma assembleia geral de sócios, a população de toda a freguesia, a Junta de Freguesia ( O órgão administrativo local na altura) e exporem o assunto com isenção e verdade, permitindo a defesa da outra ou outras partes, dentro do espírito democrático e responsável que deve ser exigido a cada habitante do planeta Terra. Mas tal não aconteceu.

Tentaram antes sabotar uma obra gigante erigida por jovens de 17, 16, 15 e menos anos, a quem chamaram depreciativamente de “rapazes”.

Mas os RAPAZES fizeram ver aos CRESCIDOTES… Conseguiram arrancar a população da sua letargia.

No que me diz respeito, a existência de um grupo como o C.D.C.A., além de me ter permitido desenvolver física e intelectualmente, além de desenvolver o meu sentido altruísta, a minha capacidade organizativa, além de me ter oferecido vários e vastos conhecimentos práticos sobre comportamento de grupo, além de me ter desenvolvido os conhecimentos de publicidade/propaganda e desenho, até, vejam só, a rascunhar páginas e páginas em máquinas de escrever, além de tudo isso funcionou como que um degrau, um trampolim que me permitiu uma pouco tumultuosa integração numa sociedade na qual talvez eu nunca me venha a adaptar perfeitamente…mas pelo menos devo a toda a malta, a toda uma população, a quase que suave e progressiva reconstrução de amizades… Não foram Grandes Amizades! Grandes, tive-as e perdi-as quando as forças das circunstâncias nos obrigaram a dispersar-nos pelos quatro cantos do mundo desde o Brasil ao Canadá…De qualquer forma não me sinto triste com todas essas novas amizades que travei…Poderei dizer até que não tenho inimigos? Quase que sou tentado a vos responder afirmativamente…

Valeu apena terem-se perdido noites, nas reuniões de direção,valeu apena todo o esforço despendido pela malta nova. A certeza de um bom alicerçamento de todo o espírito associativo, pelo menos basta-nos essa certeza e constatar a realidade desportiva na freguesia e no concelho, para se poder afirmar, bem alto e orgulhosamente que valeu a pena ! tudo isso foi obra de recalcamentos e sublimação ? Não só mas também! Creio que nunca se criou nada do tipo que foi criado, com os condicionalismos já apresentados, sem que os seus mentores tivessem a consciência de que após uma queda é necessário escovar a roupa e caminhar em frente,como sempre, de cabeça erguida…Foi necessário uma boa dose de fleuma,meus senhores !!!

Argivai, 1 de Setembro de 1980.

Renato Gomes Pereira

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